Um em cada cinco deputados federais eleitos em 2018 que tenta um novo mandato este ano — seja para deputado federal ou outro posto — dobrou o patrimônio em relação à última eleição, em 2018, mostram dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao todo, 69%, equivalente a 327 parlamentares, declararam ganhos patrimoniais nos últimos quatro anos — um deles passou de R$ 7,8 milhões para R$ 48,5 milhões, uma variação de mais de 500%.
O avanço patrimonial dos parlamentares ocorreu ao mesmo tempo em que a população brasileira ficou mais pobre, segundo diversos levantamentos. O rendimento médio mensal medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, atingiu em 2021 o menor valor em 10 anos. Em 2018, ano da eleição, o rendimento era de R$ 2.472, e agora é de R$ 2.265, quase 10% a menos.
O número de pessoas que não têm o que comer também avançou no período. Segundo dados do IBGE de 2018, 10,2 milhões de brasileiros passavam fome no país naquele ano. Este número subiu para 33,1 milhões em 2021, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
Além do salário de R$ 33,8 mil mensais e de uma série de benefícios, que incluem a cota parlamentar (de R$ 31 mil a R$ 45 mil, dependendo do estado do congressista), deputados também podem ser sócios de empresas e ter outros investimentos.
O salário, por si só, já é suficiente para distanciar os deputados federais do restante do país. Eles recebem valor quase 15 vezes superior à renda média brasileira.
Deputados também perdem patrimônio
Alguns parlamentares registraram redução do patrimônio, em alguns casos milionários. O número de deputados que dizem ter perdido patrimônio no período é de 139, equivalente a 30% dos congressistas eleitos em 2018 que tentam se eleger a algum cargo em 2022. Há ainda quinze casos em que a pessoa declarou a mesma quantia que em 2018.
Os dados de 2018 não foram corrigidos pela inflação, uma vez que parte considerável dos patrimônios é em propriedades, que não têm o valor reajustado nas declarações.
Especialista em direito eleitoral, o advogado Flávio Henrique Costa Pereira explica que uma evolução patrimonial elevada não é, necessariamente, indício de irregularidades, uma vez que os parlamentares podem ter outros negócios, como serem sócios de empresas.
‘Deslocamento de realidades’
Para o cientista político e professor do Insper Leandro Consentino, o principal problema desse “descolamento” entre a realidade dos deputados e da população é que isso pode provocar uma “miopia” na hora da tomada de decisões na Câmara.
“Eu percebo que há essa dificuldade, esse descolamento. Isso se reflete sobretudo nas condutas dos parlamentares quando vão arbitrar sobre algumas questões”, diz, citando como exemplo eventuais decisões de aumentar o próprio salário ou sobre restrições orçamentárias na área da saúde pública — deputados têm plano de saúde pagos pela Câmara.
“Será que se eles estivessem numa situação parecida com a da população eles estariam tomando as mesmas decisões que estão tomando?”, questiona.
Na mesma linha Marco Antônio Teixeira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e cientista político, diz que essa diferença entre a realidade dos deputados e a da sociedade é “paradoxal” e passa uma mensagem ruim para a população, da política como algo indevidamente vantajoso.
“Os dados que você apresenta vão na contramão da realidade da sociedade”, diz sobre a evolução patrimonial de deputados.
Consentino acredita que uma forma de tornar esses gastos menos descolados da realidade é por meio da transparência, com uma fiscalização maior da população. “[Os gastos] Estarem disponibilizados de uma forma completamente amigável, desde uma pequena coisa gasta, isso deve ser mais acessível”, disse.