Sem as credenciais de mediador, que conferiram a líderes mundiais o direito de coreografar, nos últimos dias, um balé diplomático para convencer Vladimir Putin a não avançar sobre o território ucraniano, o presidente Jair Bolsonaro desembarca em Moscou no momento mais sombrio da crise entre Rússia e Ucrânia-Otan.
Seja no palco de uma guerra iminente, como prenuncia Joe Biden, ou apenas no de um espetáculo de pura histeria, como avalia Vladimir Putin, o presidente brasileiro corre sério risco de acabar deslocado e sem função, ofuscado pelas negociações para aliviar a tensão.
E mais: sua presença no Kremlin, em visita de Estado, pode simbolizar o apoio do Brasil a um dos lados do conflito e irritar tradicionais aliados: desde janeiro o país ocupa, como membro rotativo, um assento no Conselho de Segurança da ONU, além de ter o status de aliado militar fora da Otan.
Convidado no ano passado por Putin a ir a Moscou e pouco afeito a viagens internacionais, Bolsonaro insistiu na visita. Prezou a parceria estratégica, alheio à mobilização de 130 mil militares russos que nos últimos meses cercaram a fronteira ucraniana e ao vaivém diplomático que envolve Joe Biden, Emmanuel Macron, Boris Johnson e Olaf Scholz.
A despeito do pragmatismo que rege as relações bilaterais entre os dois países, o timing da visita é ruim para o brasileiro, que já declarou não ter a intenção de pôr a Ucrânia na pauta da conversa. Antes de recebê-lo, o líder russo terá um encontro com o chanceler alemão, Olaf Scholz – este, sim, catalisador das atenções, imbuído da tentativa de desmobilizar as tropas russas da fronteira ucraniana.
Sem um canal direto com Biden e isolado diante de líderes europeus, o presidente brasileiro parece mais interessado em mostrar-se afinado politicamente com o líder autocrata russo. Durante uma reunião dos Brics, Putin elogiou suas qualidades masculinas, assim como a coragem e a força de vontade para enfrentar a pandemia de Covid-19. Obteve a admiração de Bolsonaro, atraído pelo perfil conservador e militarista do mandatário, desde 2000 no comando do país.
A visita de Bolsonaro cai bem para o presidente russo, empenhado em reforçar a influência numa região tradicionalmente alinhada aos EUA. Aliás, nesta aproximação com Putin, Bolsonaro está ao lado de seus desafetos latino-americanos e ideologicamente opostos a ele, como venezuelano Nicolás Maduro, o nicaraguense Daniel Ortega e o argentino Alberto Fernandez.
Na atual circunstância, se a ida de Bolsonaro a Moscou incomoda os americanos, é porque já surtiu o efeito desejado na cúpula do Kremlin.