A bebida mais glamourosa do planeta anda encalhando nas adegas francesas. O champagne, símbolo de comemorações e convivialidade mundo afora, é mais uma vítima da pandemia de coronavírus. O setor enfrenta uma crise histórica e espera uma queda de até 35% das vendas neste ano.
“Somos uma bebida que representa a festa, a celebração, o otimismo, a alegria de viver. Não é muito compatível com um isolamento, com ficar em casa sozinho e saber que há milhares de mortes todos os dias por causa de um vírus. Não tem nada a ver”, explica Jean-Marc Barillère, copresidente do Comitê Interprofissional do Vinho de Champagne.
“Já aconteceu em outras ocasiões: quando passamos por momentos muito difíceis, o consumo de champagne e as exportações despencam, mais do que qualquer outra bebida. A mais afetada pela pandemia é o champagne”, reitera.
Na região francesa que dá nome à bebida, ao leste de Paris, a crise não poupa ninguém. O comitê interprofissional estima que 100 milhões de garrafas deixarão de ser vendidas, o que representa mais de € 7 bilhões de prejuízos.
Eventos cancelados ou adiados
O impacto é distinto conforme o tamanho da produção. As menores, como a da viticultora Carole Leguillette, estão a um passo de fechar as portas. Desde o início da quarentena, em março, os estoques só cresceram.
“Em abril, tivemos queda de 80% das vendas e em maio, 40%. Todas as encomendas para casamentos na primavera foram canceladas ou passaram para 2021. Os clientes adiaram tudo: festas, batizados”, relata Leguillette. “Também não pudemos receber os clientes aqui, para degustações. Ficamos arrasados de não poder vender o nosso champagne.”
Entre as grandes maisons, a situação também é preocupante, mas a capacidade de absorção do golpe da pandemia é um pouco maior. Charles-Armand de Belenet, diretor da marca Bollinger, indica que a retomada das vendas ainda é tímida desde a reabertura progressiva de bares e restaurantes.
“Adotamos algumas medidas financeiras para ajudar os nossos distribuidores, como prolongar os prazos de pagamentos. Nos esforçamos para manter o pagamento dos produtores, mantendo as datas que já estavam definidas e sem adiar o calendário”, conta Belenet. “Agora, vamos gastar para produzir mas não temos quase dinheiro entrando.”
Altos custos de produção e de manutenção do prestígio da bebida
O governo francês disponibilizou uma ajuda de emergência para os viticultores de todo o país enfrentarem as perdas da pandemia. O problema é que, no caso do distinto champagne, os custos de produção são superiores aos demais tipos de vinho, ao ter colheita e técnicas de vinificação mais manuais, uvas mais caras e prazo maior de envelhecimento nas adegas.
Outro fator que pesa é prestígio – mesmo diante de uma crise sem precedentes, o setor se recusa a deixar o valor das garrafas baixar para esvaziar os estoques. “Os ouvintes e consumidores conhecem essa história, que aconteceu há pouco tempo com o petróleo: quando tem demais, o preço desaba e pode até ser negativo”, pondera Barillère.
“Precisamos manter a barreira dos preços, tomar medidas internas para segurar o valor do champagne e limitar todas as pressões pela queda, com regras anticoncorrência em nível europeu”, frisa o copresidente do Comitê Interprofissional.
Mercado externo é vital para o champagne
Para barrar a despencada dos preços, o setor decidiu enxugar a safra e conter a produção – paradoxalmente, a colheita de 2020, iniciada na semana passada, se anuncia excepcional nos vinhedos. Num cenário de completa incerteza quanto ao futuro, cerca de 22% das uvas tão valiosas da Champagne não serão aproveitadas.
“Vou ser honesto: vai ter quebradeira. Os Estados Unidos vão continuar sendo o primeiro mercado para o champagne, em importações? Não sei mais dizer”, comenta Maxime Toubard, presidente du Sindicato Geral dos Viticultores.
“Vendemos 85% do champagne para cinco países, justamente entre os que mais foram impactados pela crise da Covid. Vamos conseguir administrar um ano, embora seja bastante difícil. Mas se durar muitos anos, vai ser muito difícil”, prevê Toubard.
A queda do volume de vendas além das fronteiras da Europa foi de 28,2% no primeiro semestre, em comparação com o ano anterior.
O Brasil é o terceiro país mais atingido pela Covid-19 no mundo, mas o mercado brasileiro de champagne é irrelevante: o país o ocupava o 31° lugar no ranking de maiores compradores da bebida em 2019.