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Apagão nacional: entenda as diferenças em relação à crise de 2001

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Cerca de 29 milhões de brasileiros foram afetados pelo apagão que atingiu 25 estados e o Distrito Federal na última terça-feira (15) — com exceção de Roraima, que possui um sistema de transmissão de energia não integrado ao do restante do país.

De acordo com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o apagão ocorreu após uma sobrecarga no Ceará O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, declarou que evidências indicam uma “variação de frequência” na rede elétrica do estado. As autoridades, no entanto, ainda não conseguiram esclarecer a causa da queda de energia.

A pedido de Silveira, a Polícia Federal (PF) e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) também devem investigar se o incidente foi causado por ação humana

Fato é que o novo caso de queda de energia no país reacendeu o debate sobre o funcionamento do sistema nacional de transmissão. Dados do ONS mostram que, desde os anos 2000, a rede avançou de 62,5 mil quilômetros de extensão para os atuais 179,3 mil quilômetros.

Especialistas consideram que o sistema teve grandes avanços em alcance e infraestrutura nas últimas décadas. Mas entra nessa conta o crescimento de outras fontes energéticas — como a eólica e a solar —, que têm tornado os desafios operacionais cada vez maiores (veja mais abaixo).

Os especialistas reforçam ainda que a crise de 2001, causada por problemas de capacidade de geração de energia, ocorreu em um contexto completamente diferente do apagão da última terça, que foi consequência de uma pane ainda não esclarecida no sistema de transmissão.

Nesta reportagem, você vai entender:

  • O sistema atual e o “caminho” da energia
  • Os avanços em relação ao início dos anos 2000
  • Fontes energéticas e os desafios operacionais
  • As diferenças entre o apagão desta semana e a crise de 2001
  • Por que o Nordeste costuma ser mais atingido

O sistema atual e o “caminho” da energia

Quase todo o Brasil é coberto pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), responsável pela transmissão de energia entre as regiões do país. São usinas, subestações e redes de distribuição que formam um único sistema de quase 180 mil quilômetros de linhas de transmissão.

Essas linhas permitem que a energia seja transferida de uma região para outra. Assim, a produção de uma usina hidrelétrica pode, por exemplo, ser enviada a um estado onde os reservatórios estão mais vazios por falta de chuva.

“A rede básica de transmissão é estruturada por essas grandes torres que a gente vê, geralmente, às margens das estradas. Toda a geração de energia — vinda das usinas, por exemplo — se conecta a esse sistema. E todo o consumo é ligado a ele”, explica o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales.

Segundo o especialista, o sistema interligado brasileiro se destaca por seu “gigantismo”, dado o nível de alcance.

“Basicamente, se você fosse projetar o sistema interligado brasileiro na Europa, ele iria cobrir quase todo o continente. Dificilmente, você vai achar um sistema tão amplo como o nosso”, diz.

Veja o caminho da energia até as casas, lojas e indústrias:

Há três etapas, incluindo o sistema integrado de transmissão, que resumem os caminhos da energia até o consumo na ponta. São elas:

  1. Geração de energia: quando recursos naturais passam por processos para geração de energia, como nas usinas hidrelétricas, campos eólicos, placas de energia solar, gases naturais, entre outros.
  2. Transmissão via sistema integrado: uma vez gerada, essa energia é conectada ao sistema nacional de transmissão, que percorre as regiões do país.
  3. Distribuição: as torres de alta tensão levam a energia aos centros das cidades. A partir daí, as subestações das distribuidoras levam a energia às casas, ao comércio e às indústrias, por exemplo.

Os avanços em relação ao início dos anos 2000

Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico dão uma dimensão do avanço das linhas de transmissão no país. O salto na rede foi de 62,5 mil quilômetros de extensão no ano 2000 para os atuais 179,3 mil quilômetros — o que representa um avanço de 187% em 23 anos.

Já em carga de energia, o avanço foi de 40,8 MWmed (megawatt médio, em um ano) para 72,6 MWmed no mesmo período, de acordo com a série histórica do ONS.

O professor Edmar de Almeida, do Instituto de Energia da PUC-Rio, afirma que o sistema atual é “muito mais resiliente” do que o do início deste século, mas pondera que o apagão da última terça-feira “prova que a rede não é totalmente à prova de balas”.

“Os problemas têm que ser monitorados e corrigidos. Ainda vamos descobrir as causas, mas tudo indica que foram vários problemas ao mesmo tempo”, explica o professor.

Isso por que o sistema tem, hoje, o chamado conceito da redundância: quando uma linha cai, deve haver outros caminhos para passagem da corrente de energia. Em outras palavras, o sistema funciona com espécies de “backups”para prevenir quedas bruscas.

“Quando ocorre um acidente que derruba várias linhas ao mesmo tempo, não tem jeito. Agora, é preciso identificar qual é a fragilidade e por que isso acontece. É um fenômeno não esperado”, diz.

Claudio Sales, do Acende Brasil, lembra que, há cerca de uma década, a organização do sistema de transmissão nacional levava em conta a concentração de projetos de geração de energia no Norte do país. Dois exemplos são a construção das usinas hidrelétricas no Rio Madeira e a de Belo Monte, no Rio Xingu.

Essa concentração, explica o especialista, exige a construção das chamadas linhas de transmissão de corrente contínua, tecnologia mais adequada para levar grandes quantidades de energia por longas distâncias — como para levar a carga gerada no Norte do país para consumo no Sul ou Sudeste, por exemplo.

“Essa realidade mudou nos últimos dez anos. O que fez mudar? As novas tecnologias que propiciaram o crescimento vertiginoso de, principalmente, geração eólica e solar. Isso traz para a transmissão de energia um desafio adicional que não tinha antes e que, do meu ponto de vista, é uma das causas dos problemas que nós tivemos na terça-feira”, diz.

Fontes energéticas e os desafios operacionais

A matriz elétrica (conjunto de fontes de energia) do Brasil tem, atualmente, um total de 207,04 megawatts de capacidade instalada, distribuídos por 6 fontes diferentes, segundo o ONS:

  1. Hidrelétrica: 52,8%
  2. Térmica: 19,1%
  3. Eólica: 12,4%
  4. Geração Independente (placas solares em casa, por exemplo): 10,2%
  5. Solar: 4,5%
  6. Nuclear: 1%

A diferença no cenário é visível quando comparado ao de 2010, por exemplo, quando a matriz era composta por 4 fontes diferentes — e muito mais dependente do sistema hídrico:

  1. Hidrelétrica: 78,2%
  2. Térmica: 19,2%
  3. Nuclear: 1,8%
  4. Eólica: 0,8%

O professor Edmar, da PUC-Rio, reforça que, à medida que a expansão energética acontece em diferentes modelos e locais, cresce a necessidade de reconfiguração das linhas de transmissão operadas pelo ONS.

“O perfil de geração vem mudando nos últimos anos, principalmente no Nordeste, onde há um aumento muito grande das fontes renováveis variáveis: solar e eólica”, diz, reforçando que um dos fatores que dificultam a operação do sistema é justamente a falta de controle sobre essa geração de energia.

“Na fonte eólica, por exemplo, se ventar, vai ter geração de energia. Do contrário, não. Na hidrelétrica, que tem reservatório, você decide se vai gerar. É o que chamamos de ‘fonte despachável’ [quando há controle sobre a produção]”, continua.

Essa é a dinâmica que, segundo os especialistas, exige mais do sistema de transmissão e do monitoramento do Operador Nacional do Sistema Elétrico. Eles explicam que, na prática, é preciso observar minuto a minuto a quantidade gerada por essas fontes para, assim, equilibrar com as outras.

Do ponto de vista técnico, a linhas de transmissão de corrente contínua utilizadas no Brasil são consideradas boas para condução em grandes distâncias, mas não possuem flexibilidade, ou seja, não têm muita capacidade de se adaptar às oscilações de carga — o que as tornam mais vulneráveis às variações causadas por eventuais picos ou falta de energia.

“Com a entrada das gerações eólica e solar, você introduz uma necessidade que não existia antes: de maior flexibilidade no sistema de transmissão. A nossa tecnologia, adotada no passado, não dá a melhor resposta a situações desse tipo”, diz.

 

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